segunda-feira, 28 de abril de 2008

PODER DE BARGANHA - Maria Elisa Carpi - Defensora Pública aposentada e escritora.

A Defensoria Pública não tem poder de barganha. Nem nunca terá, pois não se negocia o acesso do pobre à Justiça. Além da lúcida visão do jurista italiano Capeletti, destaca-se a prática do direito daquele que antes atuou como Juiz na França, Ivo Kermartin. Separar a Justiça do poder arbitrário e das circunstâncias do mais valia, é quase um ato de santidade. Por isso, Ivo de Kermartin é conhecido por Santo Ivo.
Perceber o coletivo é mais do que entrar num ônibus. Requer um ensinamento desde o leite materno, e perseverança de propósitos. Uma educação ligada à cultura, não à erudição. A cultura da alteridade, do contraditório, da fraternidade. Saber que o outro existe, deixá-lo falar e usufruir os bens da vida com dignidade. Mas a “cultura” tende a ser, de geração a geração, um monopólio desses bens, inclusive o acesso à Justiça. Não formamos uma comunidade, mas corporações fechadas e excludentes. Ou tomando de empréstimo a expressão de uma mestra: a jurisdição do umbigo.
Certa vez, quando a Equipe da Defensoria Pública que atuava no Juizado da Infância e Juventude, a qual tive a honra de dirigir e compartilhar, mudou de endereço, da Cel. Vicente para o Fórum Central, e o nosso escritório de atendimento foi esvaziado e ficamos “no ar”, sem mesas e cadeiras, sem máquina de escrever, sem lugar como em Belém da Judéia, apesar de constar da Constituição Cidadã, fui reivindicar a quem dispunha de competência uma sala nas dependências do Fórum. Apesar da minha eloqüência, a resposta veio peremptória: “Eu até compreendo a filosofia da doutora, mas o Fórum é para a administração da Justiça e não para a circulação da sua clientela”. Acabara de ouvir, ao arrepio de toda lei, dois paradoxos: a administração da Justiça em vez da Distribuição da Justiça. E sem o endereçado do serviço, a clientela pobre que estava à espera no saguão. Ora já se viu uma Justiça apenas burocracia, alheia à justa distribuição, com o cidadão brasileiro também excluído?
A sociedade ainda não amadureceu como comunidade, enquanto não entender que o acesso do pobre à Justiça é um direito inalienável, sem poder de barganha, legítimo, acima da legalidade e dos interesses privados, e uma vez exercido, dando o devido respeito ao Defensor, enobrece o País que o põe em prática.

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